O ROMANCE DE 1930

Chamado também de Neorealismo, o romance de 30 caracterizou-se pelo predomínio da temática rural, tratou-se de um romance regionalista, descrevendo acontecimentos da época explicitando todas as dificuldades vividas pelas famílias do sertão.
Devido à grande extensão territorial do Brasil, o traço cultural de cada região influenciou o desenvolvimento do português, em outras palavras, o português sofreu influências e incorporou várias expressões únicas, que caracterizavam a região, assim criando os dialetos regionais. Mas entre os textos há algumas características em comum, que variam da verossimilhança, o retrato direto da realidade em seus elementos históricos e sociais, a linearidade e a construção ficcional de um mundo que deve dar a idéia da abrangência e totalidade. Tais características se assemelham também ao realismo de Machado de Assis, com o acréscimo do regionalismo.
A primeira e principal obra dessa época é o Romance “A bagaceira”(1928), de José Américo de Almeida. Esse romance , assim como “O Quinze” de Rachel de Queiroz, e “Vidas Sêcas” de Graciliano Ramos, trata-se da história da vida de retirantes, denunciando os problemas gerados pela seca. “A bagaceira” é um romance frustrado por causa do excesso de análise sociológica. Diferentemente das outras obras em que os autores permitem ao leitor imaginar, visualizar o cenário vivido por esses retirantes. Não há nos dois últimos uma preocupação em descrever, e sim em narrar os horrores vividos por eles (retirantes).
Destaco também outros escritores da época, como José Lins do Rego, autor de “Cangaceiros”. Anco Marcio Tenório Vieira1 disse em um estudo feito sobre esse período que:
“Quase todas as obras de José Lins já ultrapassam a casa de 100 edições, o que comprova sua excelente recepção. Porém, acho que o romance de 30 tem duas leituras por parte da crítica. Uma é a que entende que em termo de linguagem o romance de 30 é um retrocesso em relação aos romances de invenção dos Anos 20. E é um retrocesso porque ele retoma a narrativa tradicional, realista, do século 19. A segunda crítica é a que vê na Literatura Regionalista uma literatura menor, posto que ela se detém nos problemas sociais, políticos e econômicos de uma dada região, deixando de lado o universalismo dos temas”.
E conclui:
“Eu não preciso saber onde fica a Paraíba ou o que é a cana de açúcar para perceber a tragicidade do herói do ciclo da cana de José Lins, sua completa incapacidade de lidar com os dois mundos que se colocam perante si. É esse o tema da Metamorfose, de Kafka, de Dom Quixote, de Cervantes, de Dom Casmurro, de Machado de Assis. Enfim, de todo romance que mereça esse nome.”
Analisando o aspecto estrutural, Cangaceiros” é narrado em 3ª pessoa. O espaço da narrativa é a caatinga, no sertão. Em determinados momentos José Lins do Rego consegue dar ares de cinema para a narrativa, tamanha é a descrição de determinadas cenas e profundidade dos diálogos, talvez seja por esse motivo que Anco afirmou tais observações sobre Rego.
Conforme estudado em sala, darei mais ênfase às obra “O Quinze” de Rachel de Queiroz e “Vidas Sêcas” de Graciliano Ramos.
“O Quinze” foi publicado em 1930 e renovou a ficção regionalista. Possui cenas e episódios característicos da região, com a procissão de pedir chuva. A autora expressa grande preocupação social, apoiando-se na análise psicológica dos personagens, no livro em questão, do homem nordestino.
O título da obra refere-se a uma grande seca que ocorreu no ano de 1915, episódio no qual a família da autora se viu obrigada a abandonar a vida na Ceará e partir para o Rio de Janeiro.
A história se divide em duas: A saga amargurada da família de Chico Bento, que se vê obrigada a abandonar a fazenda em que viviam como empregados e irem em busca de uma vida melhor. E a história de amor entre Conceição e Vicente. Falta de comunicação entre os dois e desnível cultural são alguns dos motivos que torna essa história d amor praticamente impossível . É como se a seca fosse a causadora da impossibilidade de serem felizes, já que têm a consciência da miséria.


1 Professor do Departamento de Letras as UFPE.
Quanto à linguagem usada por Rachel, se trata de uma linguagem simples, não há exibicionismo, ela é natural, direta, coloquial, sóbria, condicionada ao assunto e à região, própria da linguagem moderna brasileira.
Assim como em “Cangaceiros” de Rego, o romance de Rachel é narrado em 3ª pessoa. É um narrador onisciente, que mesmo fora da história penetrar no íntimo dos personagens e faz desabrochar todos os seus sentimentos e anseios. Escreve-o em discurso indireto livre, fundindo narrador e personagem.
“Vidas Sêcas” foi publicado em 1938 e aborda, também, a problemática da seca e da opressão social no Nordeste do Brasil.
Nesse romance Graciliano coloca uma família frente a todas as dificuldades encontradas devido a seca, e encaixa nessa família um cachorro, que ao que parece, tanta inteligência quanto os seres humanos da história, além dessa inteligência, a cachorra tem um diferencial: Tem nome (cousa que os filhos de Fabiano – personagem foco do livro – não possuíam) e mostra-se esperançosa até o último suspiro, morre sonhando com um mundo cheio de preás.
Não há na história muitas falas, o autor usa o discurso direto livre, e as falas dos personagens são, geralmente, monossilábicas, demonstrando como era pequeno o conhecimento dos mesmos. É uma linguagem compatível com a miséria descrita na história, e é tipicamente regional. ”Fabiano e sua família são mostrados como não mais que bichos, tão vitimizados pelo sistema ao ponto de já mal conseguirem dominar a língua ou articular palavras e pensamentos.” (A invenção do Nordeste e outras arte; JÚNIOR, Durval Muniz de Albuquerque – Ed. Cortez – 4ª Edição).
O romance é lento, o leitor sente o drama vivido pela família de Fabiano, é uma forma de unir leitor e personagem dentro de uma trama sofrida, miserável e longa.
“Em comparação ao regionalismo conservador nostálgico de Freyre e Rego, podemos chamar essa outra vertente de regionalismo socialista de denúncia. Mesmo quando não mencionado ou aludido, o seu foco é sempre o futuro: a literatura é um chamado para mudanças sociais ou revolucionárias que possam alterar o cruel estado de coisas que ela denuncia.Entre ambas essas vertentes, regionalismo nostálgico conservador evocativo do passado ou socialista revolucionário clamando pelo futuro, desenvolveu-se o regionalismo brasileiro de meados do século XX.” (idem anterior).
O Romance de 30 se estendeu pela década de 40 também, as características desses novos escritores se assemelharam com os escritores do auge do romance regionalista. Eram escritores compromissados intimamente “ com a região de origem, rural ou urbana, considerada em toda a sua complexidade.” (CASTELLO, José Aderaldo; A Literatura Brasileira: origens e unidade; São Paulo. Edup, 1992, v. 2; pg 353).
“O sentido de documento, de grito, é sem dúvida a coisa que surge mais clara no novo romance brasileiro. Não é negócio de escola, besteira de grupo. É pensamento que não podia deixar de acontecer. [...] Viram mais longe. Viram esse mundo ignorado que é o Brasil. E o Brasil é um grito, um pedido de socorro. [...] Grito, sim, de populações inteiras, perdidas, esquecidas, material imenso para imensos livros.
Daí essa angústia que calca as páginas dos modernos romances brasileiros, servidos todos por um clima doloroso, asfixiante.
Romancistas novos do Brasil, revolucionários ou reacionários, nos seus livros vive um clamor, um grito que era desconhecido e que começa a ser ouvido.” ( AMADO, Jorge, “Apontamentos sobre o moderno romance brasileiro”, em Lanterna Verde: boletim da Sociedade Felipe de Oliveira, n 1, maio de 1934, Rio de Janeiro, p. 49 – In: CASTELLO, José Aderaldo; A Literatura Brasileira: origens e unidade; São Paulo. Edup, 1992, v. 2; p. 358).

Comentários

Unknown disse…
Parabéns pelo texto. Demonstra conhecer o romance de trinta. Peço indicação de uma obra que aborde este gênero de romance.
Continue escrevendo. O texto apresenta clareza e domínio do assunto.

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