PCN +
LAURIA, Maria
Paula Parisi. PCN + Ensino Médio: Orientações educacionais
complementares aos parâmetros curriculares nacionais. Linguagens, códigos e
suas tecnologias: Língua Portuguesa. p. 09-91, 239-241
A reformulação do ensino médio e as áreas do
conhecimento
·
Esta publicação traz orientações educacionais
que, sem qualquer pretensão normativa, buscam contribuir para a implementação
das reformas educacionais definidas pela nova Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDBEN, 1996) e regulamentadas por Diretrizes do Conselho
Nacional de Educação. Entre seus objetivos centrais está o de facilitar a
organização do trabalho escolar na área de Linguagens, Códigos e suas
Tecnologias.
A natureza do
ensino médio e as razões da reforma
·
A ideia central expressa na nova Lei, e que
orienta a transformação, estabelece o ensino médio como a etapa conclusiva da
educação básica de toda a população estudantil. Isso desafia a comunidade
educacional a pôr em prática propostas que superem as limitações do antigo
ensino médio, organizado em função de duas principais tradições formativas, a
pré-universitária e a profissionalizante. O novo ensino médio, nos termos da
Lei, de sua regulamentação e encaminhamento, deixa portanto de ser apenas
preparatório para o ensino superior ou estritamente profissionalizante, para
assumir a responsabilidade de completar a educação básica. Em qualquer de suas
modalidades, isso significa preparar para a vida, qualificar para a cidadania e
capacitar para o aprendizado permanente, seja no eventual prosseguimento dos
estudos, seja no mundo do trabalho.
Como rever o
projeto pedagógico da escola
·
Adequar a escola a seu público atual é torná-la
capaz de promover a realização pessoal, a qualificação para um trabalho digno,
para a participação social e política, enfim, para uma cidadania plena da
totalidade de seus alunos e alunas. Isso indica a necessidade de revisão do
projeto pedagógico de muitas escolas que não se renovam há décadas, criadas em
outras circunstâncias, para um outro público e para um mundo diferente deste
dos nossos dias.
A escola como
cenário real da reforma educacional
·
As
escolas que, em diferentes ambientes e condições, estão construindo novos e
bem-sucedidos paradigmas educacionais não são necessariamente as mais ricas,
nem as mais bem equipadas. É preciso sempre considerar a realidade do aluno e
da escola, e evitar sugerir novas disciplinas ou complicar o trabalho das já
existentes até porque esse tipo de aprendizado não se desenvolve
necessariamente em situações de aula, mas sobretudo em outras práticas.
Novas
orientações para o ensino
·
Nessa nova compreensão do ensino médio e da
educação básica, a organização do aprendizado não seria conduzida de forma
solitária pelo professor de cada disciplina, pois escolhas pedagógicas feitas
numa disciplina não devem ser independentes do tratamento dado às demais
disciplinas da área e mesmo das outras duas áreas. Aqui, tanto o ensino como a
aprendizagem são vistos como ações de cunho interdisciplinar, que articulam o
trabalho das disciplinas para promover competências.
Conhecimentos,
competências, disciplinas e conceitos estruturantes
·
Há
habilidades e competências, no entanto, cujo desenvolvimento não se restringe a
qualquer tema, por mais amplo que seja, pois implicam um domínio conceitual e
prático, para além de temas e disciplinas. Informar e informar-se,
comunicar-se, expressar-se, argumentar logicamente, aceitar ou rejeitar argumentos, manifestar
preferências, apontar contradições, fazer uso adequado de diferentes nomenclaturas, de diferentes códigos e de
diferentes meios de comunicação,
são competências gerais, recursos de todas as disciplinas. Por isso, devem desenvolver-se no aprendizado de cada
uma delas.
A articulação
entre as áreas
·
A articulação inter-áreas é uma clara
sinalização para o projeto pedagógico da escola. Envolve uma sintonia de
tratamentos metodológicos e pressupõe a composição de um aprendizado de
conhecimentos disciplinares com o desenvolvimento de competências gerais. Só em
parte a integração de metas formativas exige projetos interdisciplinares, nos
quais diferentes disciplinas tratam ao mesmo tempo de temas afins, durante
períodos determinados e concentrados. Mais importante do que isso é o
estabelecimento de metas comuns envolvendo
cada uma das disciplinas de todas as áreas, a serviço do desenvolvimento humano
dos alunos e também dos professores.
A articulação entre as disciplinas em cada
uma das áreas
·
São incontáveis as propostas de articulação
interdisciplinar, no interior de cada área ou cruzando fronteiras entre as três
áreas, a serviço do desenvolvimento de competências mais gerais. Os exemplos
aqui evocados são umas poucas sugestões acerca de como começar a construir esta
articulação, que é só uma das dimensões em que é preciso atuar, para subsidiar
a reforma educacional, iniciada há alguns anos, e que ainda tem um longo
caminho a percorrer para mudar a realidade das escolas brasileiras.
A área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
Introdução
·
Os princípios de seleção e organização que
orientam este trabalho não pretendem, portanto, ser únicos; constituem tão
somente possibilidades, num extenso universo de princípios de seleção e
organização. Em outras palavras, não se pretende que este documento seja lido
como uma listagem ou “receita”, o que significaria limitar o papel da equipe
pedagógico-educacional da escola – e, especialmente, do professor – como
construtora e articuladora privilegiada do currículo, capaz de adequá-lo a seus
contextos diversificados.
Caracterização
da área
·
As características comuns a essas disciplinas ou
campos do conhecimento possibilitam a articulação didático-pedagógica interna
da área. Decorre daí a possibilidade não só de enfatizar os conceitos
explícitos ou subjacentes às linguagens e códigos que sustentam a área como
também de promover os procedimentos metodológicos comuns às disciplinas que a
constituem.
As
competências gerais da área
·
Enquanto nas áreas de Ciências da Natureza,
Matemática e suas Tecnologias e de Ciências Humanas e suas Tecnologias as
linguagens são consideradas sobretudo como veículo para a construção e a
leitura de campos específicos de saber relacionados às disciplinas, na área de
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias o grande objeto de estudo são as várias
linguagens e os códigos por elas estruturados, nas manifestações particulares
que deles se valem (textos) para estabelecer diferentes formas de comunicação.
Interdisciplinaridade
·
A
interdisciplinaridade não invalida a natureza específica de cada forma de
conhecimento, de que derivam as disciplinas, estruturadas em torno de conceitos
centrais e peculiares, dotadas de uma estrutura lógica própria e de técnicas
particulares para explorar a realidade.
Disciplinas
·
Segundo Jurjo Torres Santomé (1998), uma
disciplina [...] é uma maneira de organizar e delimitar um território de
trabalho, de concentrar a pesquisa e as experiências dentro de um determinado
ângulo de visão. Daí que cada disciplina nos oferece uma imagem particular da
realidade, isto é, daquela parte que entra no ângulo de seu objetivo. (p. 55)
Competências, habilidades e conteúdos
·
O objetivo de desenvolver competências não
desvirtua a aquisição de saberes disciplinares que historicamente compete à
escola transmitir. Nesse contexto – em que a importância da aquisição
cumulativa do conhecimento é relativizada ou minimizada e o papel do professor
adquire novo perfil, não de transmissor de saberes mas de orientador da
aprendizagem – é necessário proceder a uma revisão do que se entende por conteúdo. O que está explícito ou
implícito na LDB e nos PCNEM permite refletir sobre a redefinição do termo.
Conceitos
estruturantes
·
Os conceitos podem ser considerados “as
ferramentas com as quais executamos a ação de pensar” (Barbosa & Kohl,
1999, p. 43). O conceito é o elemento estrutural do pensamento. Por meio dos
conceitos promovesse a construção dos significados do mundo concreto,
circundante, sensorial. Por meio deles, agrupamos categorias da realidade. A
noção de conceito abrange, portanto, desde as ideias mais simples sobre as
coisas até abstrações muito elaboradas e distantes do objeto concreto.
Aprendizagem de fatos e aprendizagem de conceitos
·
Fatos e dados são aprendidos pela memorização,
pela reprodução, pela repetição. Pode-se aprendê-los pela observação direta,
pela leitura, pelo recurso a fontes diversas. Já os conceitos só se adquirem
pela aprendizagem significativa. Os dados só contribuem para a aprendizagem de
conceitos quando adquirem sentido.
Formação de conceitos, abstração e escola
·
Segundo Vigotsky, os conceitos, por seu caráter
abstrato e geral, possibilitam ainda que o indivíduo se liberte do meio e da
situação imediata, sua realidade concreta, e construa categorias para analisar
o mundo. Para que ocorra essa transição, é necessário desenvolver a capacidade
de abstração e de generalização, além da metacognição, ou seja, a investigação
a respeito da natureza dos próprios conceitos. Essas capacidades estão
relacionadas à escolarização.
Contextualização Sociocultural
·
[...] a contextualização sócio cultural aponta
diretamente o trabalho realizado pelas Ciências Humanas, na qualificação dos
diversos contextos de caráter social, econômico, político e cultural, não se
pode conceber a compreensão das linguagens, das ciências e das tecnologias sem
essa mesma contextualização. Sem a referência à sociedade e à cultura, as
letras, as ciências e as tecnologias ficam desprovidas de sentido e jamais os
alunos terão condições de compreendê-las e de compreender o papel que elas
desempenham no mundo. (Pereira, 2000)
Comentário final
·
As competências e habilidades gerais que
perpassam as disciplinas da área e a Informática encontram-se, com seu recorte
específico, nas seções destinadas a cada uma dessas disciplinas e à
Informática. Para a compreensão efetiva de conceitos, competências e
habilidades, é fundamental que a leitura de cada seção seja precedida da
leitura integral do segmento destinado à área.
Língua Portuguesa
Introdução
·
Na esteira dos novos paradigmas da atual
política educacional brasileira – que busca democratizar mais e mais o acesso à
escola tornando-a parte ativa do corpo social – o ensino da língua materna deve
considerar a necessária aquisição e o desenvolvimento de três competências:
interativa, textual e gramatical. Esse tripé, necessariamente interrelacionado,
mesmo não sendo exclusivo da disciplina, encontra nela os conceitos e conteúdos
mais apropriados.
O texto e as competências
·
Os textos são a concretização dos discursos
proferidos nas mais variadas situações cotidianas. O ensino e a aprendizagem de
uma língua não podem abrir mão dos textos pois estes, ao revelarem usos da
língua e levarem a reflexões, contribuem para a criação de competências e
habilidades específicas. Muito mais do
que um conjunto de orações ou frases, os textos estão impregnados de visões de mundo proporcionadas pela
cultura e resultam, necessariamente, das escolhas e combinações feitas no complexo universo que é uma língua.
A seleção de
conteúdos
·
Cabe a cada escola e ao corpo de professores que
compõem a área efetivarem uma proposta de trabalho a partir da abordagem por
competências e habilidades. Para tanto, é preciso:selecionar conteúdos e articulá-los às diversas
competências e habilidades que se quer desenvolver; estabelecer uma progressão que perpasse os três
anos do ensino médio;considerar muito de perto a realidade social dos
alunos que frequentam a escola;afinar procedimentos comuns aos professores das
várias séries do ciclo.Pensar o
ensino de Língua Portuguesa no ensino médio significa dirigir a atenção não só
para a literatura ou para a gramática, mas também para a produção de textos e a
oralidade.
Temas
estruturadores
·
A organização dos conteúdos em torno de temas
estruturadores configura uma possibilidade de aprender Língua Portuguesa.
Sugerimos aqui alguns desses temas:Usos da língua.Diálogo entre textos: um exercício de leitura. Ensino de gramática: algumas reflexões.O texto como representação do imaginário e a
construção do patrimônio cultural.
Critérios para
a seleção de conteúdos
·
Tendo como ponto de partida os três grandes
eixos sugeridos para o trabalho com Língua
Portuguesa no ensino médio – centrados no desenvolvimento das competências interativa, textual e gramatical –, é
necessário estabelecer critérios para a seleção dos conteúdos e das competências e habilidades específicas relacionadas
a eles.
Competência interativa
·
No que diz respeito à competência interativa, é
preciso cultivar a ideia – tanto em professores quanto em alunos – de que a
língua materna é um dos principais operadores da comunicação, nas diversas
trocas sociais de que participamos cotidianamente.Seus usuários devem saber dispor dela adequadamente
nas diversas situações comunicativas, cabendo à escola um importante papel de
mediação na aquisição dessa competência. Pela língua, somos capazes de agir e
fazer reagir: quando nos apropriamos dela – instaurando um “eu” que dialoga com
um “outro” – buscamos atingir certas intencionalidades, determinadas em grande
medida pelo lugar de que falamos, e construir sentidos que se completam na
própria situação de interlocução.
Competência textual
·
Quando se pensa no desenvolvimento da
competência textual, é recomendável que se tenha clareza sobre sua
conceituação. Adotamos a perspectiva de Koch & Travaglia, segundo os quais
o texto é: uma unidade linguística concreta (perceptível
pela visão ou audição); tomada pelos usuários da língua (falante, escritor
e ouvinte, leitor);situação de interação comunicativa específica,
como uma unidade de sentido;preenchendo uma função comunicativa reconhecível
e reconhecida, independentemente de sua extensão (1997).Ainda que a noção de texto verbal incorpore a ideia
que, ao falarmos, também produzimos textos, vamos centrar nossa atenção
especialmente no texto escrito, que será tomado – também ao longo do ensino
médio – como uma unidade de ensino. Vale ainda lembrar que a ideia de texto
como unidade de ensino será abordada tanto do ponto de vista da leitura quanto
da produção.
Competência gramatical
·
Alternativamente, do ponto de vista da abordagem
gramatical descritiva, pode se considerar que em nosso país convive uma enorme
variedade linguística, determinada por regiões, idades, lugares sociais, entre
outros.As noções de certo ou errado, tão típicas da
abordagem normativa ou prescritiva, cederiam espaço para as noções de adequação
ou inadequação em virtude das situações comunicativas de que o falante
participa.É papel da escola lidar de forma produtiva com a
variedade linguística de sua clientela, sem perder de vista a valorização da
variante linguística que cada aluno traz consigo para a escola e a importância
de se oferecer a esse aluno o acesso à norma padrão – aquela que é prestigiada
quando se testam suas habilidades para ingressar no mundo do trabalho, por
exemplo.
Avaliação
· É importante que as práticas escolares, entre
elas a avaliação, sejam coerentes com os procedimentos descritos. Nesse
sentido, é recomendável que se amplie a noção de avaliação escolar, revendo a
pertinência de se avaliar exclusivamente um momento específico, como o da prova
bimestral, em função da necessidade de se avaliar todo o processo de
aprendizagem vivido pelos alunos ao longo de uma proposta de trabalho. Os
procedimentos apresentados sugerem que se avalie o aluno de diversas maneiras –
alternando-se as modalidades, os suportes, os interlocutores –, de forma a
constituir um verdadeiro processo de aferição de conhecimentos.
Sobre a formação do professor
· Em um plano geral, deparamo-nos com um quadro de
desvalorização da profissão docente, em que o profissional é levado a dar aulas
muitas vezes em condições inadequadas para o desenvolvimento de uma prática
pedagógica produtiva.A precariedade das instalações dos aparelhos
escolares, as dificuldades e carências da clientela, a falta de perspectivas no
plano financeiro levam muitas pessoas a desistirem precocemente de uma vocação
que, em outras condições, teria tudo para frutificar.Em um plano específico, mais diretamente ligado
à disciplina Língua Portuguesa, percebe-se que o discurso oficial contemporâneo
requer um profissional qualificado, e principalmente atualizado diante de
teorias da linguagem que ganham espaço na escola.Para o profissional que se encontra no mercado
há algum tempo, algumas vezes torna-se difícil rever toda a sua formação e
abrir-se para repensar o alcance real de sua prática.
Formação do professor e papel da escola no novo
ensino médio
·
Num documento dirigido a educadores que atuam no
ensino médio, não haveria razão aparente para discutir a formação inicial
docente – competência do ensino superior. No entanto, vários são os motivos que
justificam a emersão dessa problemática aqui e agora:Primeiro,
porque crônicos e reconhecidos problemas da formação docente constituem
obstáculos para o desempenho do professor, e a escola deve tomar iniciativas
para superá-los.Segundo,
porque as novas orientações promulgadas para a formação dos professores ainda
não se efetivaram, já que constituem um processo que demanda ajustes de
transição a serem encaminhados na escola.Terceiro,
porque a formação profissional contínua ou permanente do professor, em qualquer
circunstância, deve se dar enquanto ele exerce sua profissão, – ou seja, na
escola, paralelamente a seu trabalho escolar.
A escola como
espaço de formação docente
·
A formação técnica permanente, assim como a
imersão em práticas culturais diversificadas, é uma necessidade de qualquer
categoria profissional – e dela não há de se excluir o professor. A escola que
provê essa formação, de forma institucional, planejada e clara, está cumprindo
parte fundamental de seu projeto pedagógico, ainda que parte dessa formação,
especialmente no ensino público, pode ou mesmo deve ser provida pelas redes
escolares.A formação continuada, como já se disse, pode
sim conter cursos e treinamentos oferecidos em plano mais geral por redes
escolares e por centros formadores, mas em nenhuma hipótese pode se resumir a
isso. A importância de a escola estar empenhada na formação de seus
professores, autonomamente e afirmando sua identidade, tem sido destacada por
muitos educadores.
As práticas
do professor em permanente formação
· A
formação permanente é também, mas não só, constante informação cultural e
atualização metodológica.A
formação profissional contínua tem igualmente um caráter de investigação, uma
dimensão de pesquisa. Como profissional, o professor tem de fazer
ajustes permanentes entre o que planeja
e aquilo que efetivamente acontece na sua relação com os alunos, sendo que estes ajustes podem exigir ação
imediata, para mobilizar conhecimentos e agir em situações não previstas. Em outras palavras, precisa ter
competência para improvisar. Por
isso, num primeiro nível, a pesquisa que se desenvolve no âmbito do trabalho do professor deve ter como foco
principal o próprio processo de ensino e de aprendizagem.
Comentários