Eu farei o mundo parar até você vir me encontrar!

Eu acordei um dia assim. Diferente. Olhei-me no espelho sem entender o que estava acontecendo. Não vi nada de diferente em mim, mas sabia que alguma coisa tinha mudado. Fiz tudo como de costume. Troquei-me e fui comprar pão na padaria da esquina. São apenas 5 prédios pra frente do meu. Era um caminho conhecido, pessoas conhecidas. Meus vizinhos, o carteiro, os cachorros, os mendigos da praça da árvore... Eram os mesmos!
Eu passei e todos me olharam, era como se alguma coisa em mim estivesse diferente. O medo de me cumprimentar estava nos olhos deles, nas mãos deles que se recusaram a dar-me um aperto. Nos lábios que não expressaram nenhum sorriso quando eu passei. Eu olhei pra trás, e eles permaneceram imóveis, atônitos em minha direção. Na padaria todos pararam e me olharam. Eu olhei de volta, mas não houve nenhum tipo de reação, nenhum ruído, nenhuma exclamação. Peguei o pão. Deixei o dinheiro, havia troco, mas não houve retorno do senhor do caixa.
Fiz o mesmo caminho de volta pra minha casa, e as pessoas permaneciam no mesmo lugar. O mundo parou e eu continuei? Sempre me imaginei a Bela Adormecida. Mas ver todos parados, menos eu, não foi uma sensação que eu queria ter. Entrei em meu apartamento. Olhei pela janela. E todos permaneciam nos mesmos lugares, parados. Vesti minha roupa de correr. Um tênis confortável, uma calça leve, mas demasiadamente quente para o frio que acomete esses dias, um agasalho bem fofo, uma tiara e meu inseparável iPod. Fui correr pela orla... Não havia ninguém, não havia trânsito. Não havia um ruído sequer no meio daquela cidade. De uma hora pra outra, a cidade se tornou de alguma forma, uma cidade fantasma.
Eu liguei a música no máximo. E corri, corri o máximo que eu pude em meio aquela imensidão de vazio.
Voltei pro meu apartamento. Deitei em minha cama. E fiquei pensando. Pensei em tudo o que poderia ter causado aquela paralisação, aquele vazio.
Lembrei-me da sensação da manhã, quando me olhei no espelho. Levantei-me de súbito e voltei a ele. Ali eu haveria de encontrar a resposta para tudo aquilo. Olhei-me no espelho. Nada vi. Baixei a cabeça, lavei meu rosto com a água fria da pia. Levantei minha cabeça. Prendi meus olhos no espelho. E lá estava, ao lado da minha imagem refletida no espelho, escondida por debaixo de uma fumegante baforada de vapor, a mensagem. Quando vi, não acreditei. Mas estava lá, com todas as letras: "Eu farei o mundo parar até você vir me encontrar"!
Eu saí enlouquecida de casa, cortei ruas, avenidas, parques... E enfim cheguei aonde eu deveria estar. Bati a porta. Uma, duas, três vezes. Ouvi passos e murmúrios por detrás da porta. Tentei bisbilhotar pelo olho mágico. Nada vi. Um cachorro latiu. Bati novamente. O cachorro latiu de novo. Os passos se tornaram mais próximos. Descendo as escadas. Era o som mais bonito daquela manhã. O mais esperado.
Percebi que os passos pararam diante da porta. Senti um olhar me admirar pelo olho mágico. Escutei a felicidade do cachorro ao abanar o rabo repetidas vezes. Ouvi o tilintar das chaves se virando na maçaneta. O cuidado para abrir a porta se confundia com a respiração plácida. A porta se abriu. Eu parei. Ele parou, o cachorro parou e continuou abanando o rabo. A minha frente estava aquele rosto. O rosto que eu gostaria de ver todas as manhãs. Ele estava ali, parado, me olhando. Faltou-me as palavras, faltou-me forças. E quando dei por mim, às minhas costas, o mundo voltou a andar. Os carros já haviam tomado a rua. Dei um passo. Passei da porta, estava dentro. A porta se fechou. O silêncio tomou conta da casa. O cachorro se foi, deitou-se e descansou. Nenhuma palavra foi dita. Ele tomou-me nos braços. Beijou os meus lábios. Despiu-me. E ali, no vão da escada, nos amamos. Ele me amor. Eu o amei. E a partir daquele dia, aquele foi passou a ser o primeiro rosto que eu via ao acordar.
Às vezes é só isso que a gente precisa fazer, descobri o que está escrito por baixo de uma fumegante baforada de vapor no espelho.

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