A carta

Página em branco. Uma lágrima que escorre do rosto e molha o papel. Mãos trêmulas a segurar a caneta. Velas acesas sobre a escrivaninha. Uma taça de vinho ao lado. O suor escorrendo pela face. O tic-tac do relógio se faz soar mais alto a cada instante.
É chegada a hora das 12 badaladas. O nervosismo e a ansiedade tomam conta do ser. A caneta toca o papel pela primeira vez em horas a fio sentada naquela cadeira. As lágrimas insistem em escorrer. As mãos trêmulas mal conseguem segurar a caneta. Mas o destino está selado. É certo que as palavras precisam ser escritas. O barulho do fogo derretendo a parafina da vela é o único barulho que entoa na surdina daquele escritório. O relógio está distante. Foi abstraído pela mente. Agora é só o barulho do riscar da caneta sobre o papel.
As mãos conseguiram tracejar um oi. Foi um simples e singelo oi, mas foi de uma profundidade de força e de coragem que fizeram com que ele transparecesse no papel. Escrever sempre havia sido fácil, mas não hoje. Não com a certeza do que deveria ser escrito. O vento uivava lá fora. As árvores tilintavam umas nas outras. E permanecia sentada na cadeira.
As palavras iam saindo, iam saltando da tinta para o papel, dos pensamentos para as mãos. Em um misto agora de impaciência e medo do que viria depois, a estática do corpo se desfez. As pernas começaram a quase saltitar por sob a mesa. O suor era cada vez mais aparente. As lágrimas ainda escorriam em meio as gotas de suor. O vento já não mais soprava. O relógio já marcava mais de meia noite. O sono se abatia sobre a mente. Já não se podia escrever mais.
Os olhos já não conseguiam olhar para o papel. Estavam perdidos olhando para o nada. Ou seria para o tudo? No fim do corredor, pela fresta da porta aberta, iluminado pela luz da lua, reluzia um par de olhos em uma foto. Finalizar a escrita parecia algo distante. Mas era necessário.
Com uma fugacidade fora do normal, as lágrimas cessaram. As mãos estavam firmes. O corpo voltou a permanecer estático, sereno, calmo, inerte. As velas estavam se acabando. O papel foi se enchendo de palavras e mais palavras. Com nexo. Eram loucuras. Palavras de despedida em meio a loucuras. Verdades em meio a provisões. Medo refletido nas marcas deixadas pelas lágrimas no papel.
O corpo concluiu o que queria dizer. Disse em voz alta "Oi"... E o silêncio pairou sobre o ar daquela escura sala. O relógio anunciou 6 badaladas. O corpo despertou e saiu. Em punhos estava a carta. Em um envelope amarelado, com um selo antigo. Depositou a carta na caixa do correio. Deu as costas e partiu, sem olhar pra trás. Voltou pra casa. Sentou-se na mesma cadeira e chorou. Chorou por longas horas, e ali adormeceu.

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