Ela

Havia uma menina. Quando pequena, só queria ser grande. Não queria ser mulher. Não queria seios, não queria hormônios enlouquecendo o seu corpo. Ela queria continuar sendo uma menina, mas com 175 centímetros.
E ela queria ser feliz também. Ela queria ser advogada. Queria morar com suas amigas mesmo depois de todas estarem casadas, ou não. Ela queria ter filhos, mas não necessariamente um marido. Ela queria fugir de casa, e para isso juntou todas as suas pelúcias.
Ela queria amar. Ela amou um garoto, amor de criança, mas amou. Dizem que esse é o mais verdadeiro e puro amor. Ela abriu mão deste amor. E perdeu sua melhor amiga. Ela foi a festas. Decidiu que queria ser nutricionista. Ela não gostava de ler, e advogados, teoricamente, leem muito.
Ela começou a sair. Praticava esportes. Ela era muito aplicada na escola. Aprendeu macetes na matemática. Ela se sentava na frente. Ela começou a sair, e assim começou a beber. Ela conheceu muitas pessoas diferentes. Ela viajou e conheceu seu 2º amor, não tão puro nem tão verdadeiro quanto o primeiro. Era um amor de adolescente.
Ela o amou. E escreveu sobre este amor. Ela queria passar o resto da vida dela ao lado dele. Ela acreditava em príncipes e em princesas, mas não conhecia os vilões, ainda. Ela achava que tudo continuaria fácil, que seus planos de vida correriam tudo bem. Ela estava vivendo e aprendendo.
O vilão apareceu. Ela perdeu o seu 2º amor. Ela deixou de acreditar no amor. E escreveu sobre isso, foram páginas e mais páginas sobre um amor acabado. Ela se revoltou, enlouqueceu. Ela decidiu que nenhum outro entraria dentro do seu coração. Ela o transformou em gelo. Ela começou a pensar em tudo e em nada ao mesmo tempo. Ela se perdeu de todos os seus planos.
Ela bebeu. Bebeu pra esquecer, bebeu pra lembrar, bebeu pra sorrir, bebeu pra chorar. Bebeu pra sumir, bebeu pra se encontrar, bebeu pra encontrar o silêncio, bebeu pra conversar. Pra ela, a vida já não fazia sentido, mas mesmo assim ela ainda se lembrava da bala de melão que o seu 2º amor chupava quando lhe deu o primeiro beijo, isso depois alguns anos.
Ela se escondeu do mundo. Ela tentou se matar. Aí se reergueu. Mas o seu coração continuava duro. Ela saiu mais e mais. E conheceu muita gente. Ela fez novos amigos. Ela conheceu lugares novos. Ela viajou pelo mundo, e pelo seu mundo. Ela se drogou. Ela fez sexo. Ela se entregou ao mundo. Ela engravidou. Ela teve um filho e se formou na faculdade.
Não, ela não se casou. Ela é mãe solteira. Ela abriu uma brecha em seu coração. Ela deixou que o seu filho entrasse. Ela não mais se apaixonou. Ela não mais amou. Tentar? Ela tentou amar, ela tentou gostar, ela tentou se apaixonar, mas a decepção do 2º amor, jamais foi superada. Ela se reabilitou. Ela arrumou um emprego.
Ela comprou uma casa e um carro. Ela paga uma babá e uma cozinheira. Ela mora na França. Ela é intérprete de uma grande empresa. Ela viaja para o Brasil pelo menos 2 vezes ao ano. Ela faz festas de aniversário para o filho todos os anos. Ela gosta de tomar vinho, sozinha, depois do trabalho na sala de sua casa.
Ela gosta de neve, mas gosta mais ainda do leve calor da primavera francesa. Ela come croissant todos os dias no café da manhã. Ela e o filho deixam bigode de leite. Eles sorriem muito. Ela tem uma caixa de lembranças da sua vida. Ela abre a caixa uma vez por ano, sempre no dia 31 de dezembro. Ela sorri. Ela chora. Ela se lembra de tudo o que passou. Ela sabe. Ela sente. Ela é feliz. É feliz diferente do que ela queria que fosse.
Ela se deita. Ela sonha. Ela acorda. Ela se levante e bate a cabeça. Ela percebe que está deitada na mesma beliche de anos atrás. Ela se olha no espelho. Ela ainda tem 10 anos. Ela quer ser grande. Ela quer ser feliz também. E assim, Havia uma menina.

Comentários

Postagens mais visitadas