A xícara de Café


Texto escrito a partir de "Diálogo" de Caio Fernando Abreu, pra aula de Seminário de Narrativa



Mara Júnia de Assis

Não se trata de uma história de amor casual, ou de uma história de amor fracassada, mas sim de uma história de amor que de seu jeito torto teima em acontecer, independente do medo dessa sociedade hipócrita e preconceituosa onde esses dois seres resolveram viver a sua história.
Deixo claro apenas uma coisa, qualquer semelhança com a realidade, não é mera coincidência. Trata-se da história de amor de Ariel e Pedro.
Como pode uma pergunta fazer um alvoroço na vida do outro? Presenciei essa discussão de forma que não compreendi o que realmente estava acontecendo, mas ao fim de toda ela, fui capaz de perceber como as coisas acontecem quando os desejos de um ou de outro não são prontamente atendidos. Eis que começou por essa pergunta: “Você é meu companheiro?”. Pergunta simples se for pensar que o que se passa por trás dela é algo simples e concreto. E era apenas isso que Ariel queria saber, se Pedro de fato era seu companheiro. Pedro resmungou, e logo depois veio o silêncio.
Ariel insistia naquilo, “Você é meu companheiro.”. Mas agora em tom de afirmação, e aí Pedro retrucou: “O quê?”. E assim Ariel voltou a dizer que Pedro era o seu companheiro, mas Pedro não entendia o que Ariel queria dizer com isso. Apenas isso, você é meu companheiro.
Mas Pedro sentia que aquela pergunta não era uma pergunta tão simples assim de se responder, sabia que sua resposta poderia ocasionar vários acontecimentos futuros, sabia que por detrás de “você é meu companheiro” tinha toda uma história alheia a sua compreensão. E para Ariel, isso não passava de uma ideia paranoica de Pedro.
Pedro refletiu por alguns minutos, como quem estivesse procurando uma saída para aquela situação conflituosa com Ariel. A compreensão de Pedro para essa situação era divergente, ele não estava falando do que Ariel disse sobre ele ser seu companheiro, mas sim dele ser o companheiro de Ariel.
Para Ariel era simples, Pedro era seu companheiro, a única coisa que precisava saber era se Pedro também sentia isso. Mas nada do que dizia fazia a compreensão de Pedro sobre tudo isso mudar, na verdade, cada vez mais, Pedro se sentia confuso. E cada vez mais sentia que havia outra coisa por detrás dessa pergunta, ele não sabia o que, mas sentia. E da mesma forma que Ariel tenta convencer Pedro de que ele é seu companheiro, Pedro tenta mostrar a Ariel que há algo por detrás. “Você sente?”. “Que você é meu companheiro? Sinto.”. E Pedro insistia que não era isso.
Ariel começou a desconfiar de que Pedro não queria ser seu companheiro. E aí eu percebi que ia, além disso, Pedro queria, mas não era. Nesse momento a confusão chegou ao seu clímax, Ariel já não compreendia mais nada, nem o motivo inicial da discussão, porque pra ele era claro no inicio, ser ou não companheiro, mas agora? Agora nada mais fazia sentido. Foi nesse momento que Pedro deu um passo a aceitação de ser companheiro de Ariel. Em nenhum momento ele queria que Ariel se sentisse confuso quanto a tudo, quanto a eles.
A única coisa que Ariel queria era que Pedro fosse o teu companheiro, e Pedro não entendia o que Ariel queria com o ser meu companheiro. Pedro já não sabia o que queria, só sentia algo estranho com a insistência de Ariel, mas não conseguia explicar a ele de onde partira tal estranheza, tal subversão à pergunta.
Ariel disse que percebia, mas que queria que Pedro fosse o seu companheiro. E mais uma vez Pedro silencia e pensa, sem saber o que dizer a Ariel, resmunga. E assim a discussão dos dois continua.
Eu, que não nasci para ser mediadora de coisa nenhuma, mesmo porque não poderia me meter na história dos dois, fiquei ali, por quanto tempo eu não sei, mas por fim, nada mais fazia sentido, nem a presença dos dois naquele café.
 O relacionamento dos dois estava além de uma historinha de amor como Romeu e Julieta, estava além de brigas de famílias, ou de incompatibilidade de pensamentos, ou sentimentos, ou desejos. Envolvia uma questão moral, uma questão religiosa, e que traria várias consequências pra suas vidas. A final de contas, eles vivem em uma sociedade retrocessa, que não compreende de todo a beleza do sentimento, mas sim a aparência de quem ama e de quem é amado. Em uma sociedade onde existe muito preconceito, onde muitos se tacham sem receio nenhum de homofóbicos. Mas voltando, eu nasci, ou fui criada pelas mãos de um homem, com o simples dever de comportar líquidos quentes, sem importar qual for.
Sei que essa não vai ser a última discussão que é feita perante mim, muito menos foi a primeira. Mas foi a primeira que eu quis ter voz para poder dizer alguma coisa, pra poder dar a minha opinião. Percebi que Ariel não se importava com nada, mas Pedro sim. Queria pelo menos ter podido perguntar a Pedro uma coisa: “O que é mais importante do que o amor?”.

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